É tempo... (Álvaro Couto)

Vai sendo tempo de florirem pincéis, colcheias

cores, desenhos. Vai sendo tempo de levar a vida cheia.

Vai sendo tempo de jorrar água pura com poesia à mistura

óptica futura em linguagens de ternura.

Vai sendo tempo de soltar os sonhos do siso

numa primavera de naves à velocidade riso.

Vai sendo tempo de abrir o coração no espaço.

Largar este tempo repleto de ignorantes e sábios.

Deixar todas as gotas de amor molharem-me os lábios.

E nu e feliz como a luz atravessar a tela

sem nada meu e, livre, estrear o mundo.



Cruz de Cristo
ou
O ser Português
(16 painéis de óleo sobre tela)
(260x260 cm)


HORIZONTE
(Fernando Pessoa)

Ó Mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe o Sul sidério
Splendia sobre as naus da Iniciação.

Linha severa da longínqua costa –
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a Terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, há flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e com sensíveis
Movimentos da Esperança e da Vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da verdade.







Abandono alucinado


lembro-me de todos os teus quadros

e, de tanto os amar

já sou, eu própria, um traço

um contorno vermelho, azul ou branco

uma sombra ou uma entrada de luz

ou a mão

que pede o teu braço

e segue contigo

(Bia)






A Razão do Poeta




Páginas soltas





ROSA DOS VENTOS
(Almada Negreiros)

Não foi por acaso que o meu sangue que veio do Sul
Se cruzou com o meu sangue que veio do Norte
Não foi por acaso que o meu sangue que veio do Oriente
Se cruzou com o meu sangue que veio do Ocidente

Não foi por acaso nada de quem sou agora.

Em mim se cruzaram finalmente todos os lados da Terra
A Natureza e o Tempo me valeram séculos e séculos
Ansiosos por este resultado um dia
E até hoje fui sempre futuro.
Faço hoje a cidade do Antigo
E agora nasço novo como ao Princípio:
Foi a Natureza que me guardou a semente
Apesar das épocas e gerações.


Cheguei ao fim da continuidade
E agora sou o que até ao fim fui desejo.


O Centro do Mundo já não é no meio da Terra
Vai por onde anda a Rosa dos Ventos
Vai por onde ela vai
Anda por onde ela anda.

Agora chego a cada instante pela primeira vez à Vida
Já não sou um caso pessoal
Mas sim a própria Pessoa.




A alma do Argonauta